domingo, 18 de novembro de 2012

041 - Para uma Arqueologia Social


 
 
Apesar da esmagadora maioria da Arqueologia contemporânea acontecer a “reboque” de grandes obras, não devemos esquecer que ela prossegue objectivos específicos relacionados com processos educacionais, de produção de conhecimento e de salvaguarda patrimonial.

Mais de quinze anos passados desde a emergência em Portugal de uma Arqueologia verdadeiramente profissional, continua a ser inaceitável a ausência de legislação específica sobre a sua sociabilização. Entretanto, ocorreram enormes projectos de obras abrangendo vastos territórios. De entre eles, destacam-se os casos da Barragem do Alqueva e as inúmeras auto-estradas que rasgaram o país, de norte a sul. O que sabem as populações sobre os milhares de sítios arqueológicos escavados e estudados? Que repercussões sociais ocorreram? Quantos casos implicaram articulação com escolas? Não tenhamos dúvidas: activar o Património passa por alterar mentalidades, interagir com populações e estimular os envolvidos na decisão e implementação de obras. No entanto, sem vontade política e legislação orientadora de objectivos a atingir, será difícil aos que ensaiam experiências por conta própria, atingir uma efectiva alteração da realidade.

domingo, 4 de novembro de 2012

040 - Em tempo de mudança...um grande Colóquio



Os tempos não estão fáceis. Quase todos o sentimos.

No ano em que faz quinze anos, a ERA aventurou-se a organizar um grande Colóquio internacional, a decorrer na próxima semana em Lisboa (http://www.era-arqueologia.pt/coloquio/). Dedicado a temáticas da Pré-história recente, nomeadamente em torno dos fenómenos funerários enquadrados em recintos delimitados por fossos ou outras estruturas, este evento é, de alguma forma, o culminar da história da nossa empresa.

Começámos nos Perdigões. O tempo passou e, desde então, tem sido precisamente em torno deste sítio e do seu tempo que aconteceram alguns dos mais espantosos avanços no conhecimento que hoje temos sobre aquilo que, no actual território português, aconteceu antes da nossa passagem por estas bandas: sociedades complexas, muito dinâmicas e em crescente transformação. Há mais de cinco mil anos, o mundo estava a mudar e a nossa perspectiva sobre o que então se passava tem-se alterado. Tenho particular orgulho no papel que a ERA e as suas equipas desempenharam e continuam a desempenhar, nesse processo tão activo.

Quanto à organização do Colóquio, saliento todos os que, dentro da ERA, colaboraram na sua organização. Foi um trabalho de equipa liderada por António Valera: a ele devemos a ideia, a persistência e a capacidade de romper fronteiras.

Aos convidados portugueses e de tantos outros países europeus agradecemos a disponibilidade para desbravar novos horizontes, a partir do debate de ideias.

A todas as entidades que colaboraram, um agradecimento especial. Um destaque final para a Fundação Calouste Gulbenkian.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

VI Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular


O NIA, Núcleo de Investigação da Era Arqueologia, está neste momento a participar no VI Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular, em Villafranca de los Barros (Badajoz), através da apresentação de quatro comunicações e um poster.

Juntamente com Ana Maria Silva, Ana Isabel Fernandes e Victor Filipe, António Valera apresentará a comunicação: "Os Hipogeus Neolíticos do núcleo C do Sítio Outeiro Alto 2: Práticas funerárias e paleobiologia dos restos ósseos recuperados".


O sítio arqueológico do Outeiro Alto 2 foi identificado em contexto de trabalhos de minimização da execução do Bloco de Rega de Brinches e intervencionado pela Era Arqueologia S.A. Revelou-se um local complexo, constituído por um recinto com fosso, fossas e hipogeus de cronologias e morfologias diversas. Foram definidos quatro núcleos de estruturas negativas (A,B,C e D) com cronologias que vão desde o Neolítico final até à Idade do Bronze. O presente trabalho aborda os 3 hipogeus identificados no núcleo C e cujos materiais associados sugerem uma cronologia do Neolítico final. Estes hipogeus revelaram inumações primárias e diversos ossos humanos desarticulados, provavelmente consequência de manipulações intensas ao longo do tempo. Será também apresentado e discutido o perfil biológico dos restos ósseos humanos exumados destes três hipogeus, como contributo para a caracterização dos indivíduos que foram sepultados nestes túmulos.


António Valera e Ana Maria Silva apresentarão ainda a comunicação: "A temporalidade dos Recintos dos Perdigões: cronologia absoluta de estruturas e práticas".

Nesta comunicação será apresentado um conjunto alargado de datações de radiocarbono relativas a várias estruturas dos recintos de fossos dos Perdigões. Estas datações são referentes a vários fossos e estruturas funerárias, permitindo aprofundar a temporalidade deste importante sítio arqueológico. Dispõe-se, agora, de uma sequência que revela uma longa diacronia de ocupação, desde o Neolítico Final até ao Calcolítico final / Idade do Bronze, ao mesmo tempo que se começa a delinear o desenvolvimento espacial do sítio ao longo dessa cronologia. Simultaneamente, este conjunto de datações permite começar também a ancorar no tempo a grande diversidade de práticas funerárias documentadas no sítio.

Com Lucy Shaw Evangelista, António Valera falará sobre o "Marfim no Recinto Calcolítico dos Perdigões (2): figuras antropomórficas e o problema da representação naturalista do corpo humano".

São apresentadas as figuras antropomórficas em marfim provenientes dos Perdigões, associadas a um conjunto de cremações datadas de meados / terceiro quartel do 3º milénio cal AC. Partindo da contextualização destas peças no contexto das produções de estatuária ideográfica do 3º milénio do Sul Peninsular, procura-se questionar a existência de um caminho de representações mais esquemáticas para outras mais naturalistas e uma procura da proporcionalidade do corpo humano nestas representações.
Articulando esta tendência com o carácter canónico da postura que estas representações antropomórficas parecem exibir, procurar-se-á explorar caminhos interpretativos sobre o desempenho social destas pequenas esculturas.

Ainda com Ana Maria Silva e com Tiago Tomé, António Valera vai apresentar os dados preliminares de um conjunto de inumações na região de Brinches, Serpa, numa comunicação designada "Práticas funerárias na Pré-História Recente do Baixo Alentejo".

Os últimos anos assistiram à descoberta e escavação de numerosos contextos funerários de cronologia pré-histórica no Baixo Alentejo, particularmente fruto do desenvolvimento de projectos de infraestruturas como aquelas relacionadas com o empreendimento da Barragem do Alqueva, entre outras.
Apresentamos aqui os resultados preliminares da análise que vem sendo desenvolvida no âmbito do projecto “Práticas Funerárias da Pré-História Recente no Baixo Alentejo e Retorno Sócio-Económico de Programas de Salvamento Patrimonial” (PTDC/HIS-ARQ/114077/2009), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, sobre os espólios osteológicos humanos provenientes de diversos contextos funerários do 4º ao 2º milénio a.C. da região de Brinches (Serpa), escavados em intervenções de minimização de impacto arqueológico levadas a cabo pela ERA – Arqueologia, Conservação e Gestão de Património.
Com base nos dados recolhidos em campo e posterior estudo laboratorial dos restos osteológicos humanos exumados, pretende-se contribuir para o conhecimento sobre as práticas funerárias e o perfil biológico dos indivíduos que foram inumados nesta região da Bacia do Guadiana na Pré-História Recente.

Finalmente, será apresentado um poster com o título "Os ossos humanos cremados da fossa 16 do recinto dos Perdigões: a quem pertenciam?", da autoria de Ana Maria Silva, António Valera, Inês Leandro e Daniela Pereira

Na área central do recinto dos Perdigões foi identificado uma fossa (16), contendo restos ósseos humanos, cerâmica e fauna diversa. A respectiva escavação veio revelar tratar-se de um depósito secundário correspondendo ao despejo de restos de ossos humanos cremados, restos faunísticos e cerca de meia centena de pontas de seta e fragmentos de ídolos em marfim, material que se apresentava igualmente intensamente queimado. O despejo deu origem a um formato cónico do depósito, cujas laterais foram depois preenchidas por outros 2 depósitos com escassos restos ósseos humanos mas abundantes restos faunísticos e alguma cerâmica.
Neste trabalho serão apresentados os resultados do estudo laboratorial dos restos ósseos humanos. Este revelou que todo o espólio ósseo humano esteve sujeito à acção de fogo, de diversa intensidade. Predominarem os vestígios ósseos sujeitos a altas temperaturas (> 900º), revelado pelas alterações registadas em termos de cor, tipo de fracturas e deformações. Este espólio terá pertencido a um mínimo de 9 indivíduos, 3 dos quais faleceram antes de atingir a idade adulta. Serão ainda apresentados algumas inferências sobre a prática funerária envolvida e dados demográficos, morfológicos e paleopatológicos dos restos ósseos recuperados.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

OS PERDIGÕES NAS ESCOLAS DE REGUENGOS DE MONSARAZ


Consideramos muito importante que o património arqueológico faça parte da identidade das comunidades. Por isso, aceitámos o convite da Câmara Municipal para integrar o encontro de recepção aos professores do agrupamento de escolas de Reguengos de Monsaraz.

O objectivo da nossa participação cumpriu-se: numa palestra muito orientada, o António Valera apresentou os Perdigões aos professores adaptando as várias dimensões dadas pela interpretação do complexo arqueológico a diversos conteúdos programáticos de diferentes níveis escolares. Com isto, pretendemos sugerir que os Perdigões, como elemento unificador de uma vasta região, possam ser a base de uma abordagem interdisciplinar no ensino.

Encontramo-nos a trabalhar conjuntamente com as escolas da região no sentido de viabilizar esta proposta, no sentido de tornar os Perdigões uma presença permanente na comunidade. 

Ao longo deste ano lectivo, iremos orientar e colaborar numa série de actividades destinadas ao público escolar e os Perdigões serão o cenário de todas elas. 

Aqui faremos, sempre que possível, a "revisão da matéria dada".







sexta-feira, 13 de julho de 2012

037 - Arqueologias de costas voltadas


Sem investigação a Arqueologia não faz sentido.

Considero que um dos problemas mais graves da Arqueologia portuguesa assenta no facto das problemáticas inerentes à investigação científica não serem plenamente condicionantes nem condicionadas pela esmagadora maioria das intervenções arqueológicas que são realizadas no nosso país. Centenas de sítios arqueológicos são anualmente escavados de forma desgarrada, sem programa específico e sem profissionais devidamente preparados para os abordar de forma adequada às suas potencialidades. Por isso, o conhecimento adquirido é tendencialmente incipiente. Por isso, desperdiçamos dia a dia hipóteses de progredir no conhecimento do passado do nosso território e das populações que nele habitaram. Por isso, o nosso Património arqueológico pode estar a ser “inconscientemente” delapidado.

 A recente identificação na margem esquerda do Guadiana de um sítio datado da Pré-história Antiga, mais propriamente do Paleolítico Superior e Médio, suscita, pelo seu carácter inédito, enorme perplexidade. Como é possível que no Alentejo sejam tão escassos estes sítios, apesar da quantidade imensa de obras fortemente intrusivas que ali têm sido realizadas com acompanhamento arqueológico, nomeadamente de barragens, sistemas de rega ou estradas? As razões são simples: falta de preparação das equipas de prospecção arqueológica e de acompanhamento arqueológico de obras; total incapacidade de investigadores especializados em proporem inovadoras estratégias de actuação e de articulação entre Arqueologia de Investigação e Arqueologia de Salvaguarda; incapacidade da tutela do Património reagir a manifestas lacunas de informações, inequivocamente relacionáveis com problemas de gestão científica do território.

É evidente que não se identificam os sítios porque não estamos preparados para os identificar. Por isso, sem capacidade de analisar a realidade, retemos uma visão totalmente parcial dos vestígios arqueológicos e daquilo que estes nos contam sobre o passado. Assim, a História que produzimos torna-se mais pobre.

A solução passa por articular investigadores especializados com profissionais de Arqueologia Aplicada. Tal seria possível desde o despontar dos projectos, quase sempre relacionados com obras, a partir de uma renovada exigência dos Arqueólogos em relação à sua profissão e da tutela do Património em relação à sua responsabilidade legal. Por isso, a apreciação dos planos de trabalho e das equipas propostas para a sua concretização deveria ser mais rigorosa e exigente; por isso, também deveria ser fortemente incrementada a relação entre universidades e empresas de Arqueologia.

Não esqueçamos que a dinâmica da nossa Arqueologia é enorme. As intervenções sucedem-se. As descobertas relevantes são imensas. E os resultados em termos científicos poderiam ser enormemente ampliados com os recursos de que dispomos actualmente.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

036 - Diagnósticos arqueológicos válidos?

A experiência acumulada em Portugal em termos de diagnósticos arqueológicos realizados em grandes obras públicas, nomeadamente em auto-estradas, barragens, grandes sistemas de rega, etc., suscita alguma reflexão.

Genericamente, os diagnósticos são realizados tardiamente, raramente contribuindo para a ponderação das decisões finais relativas aos projectos de obras.

Realizando-se, normalmente, após aprovação dos projectos de obras, são apenas uma fase dos processos de escavação arqueológica de minimização de impactos, desvirtuando-se a sua natureza prospectiva e de antecipação.

Normalmente, a execução de diagnósticos está colada à identificação superficial de vestígios arqueológicos ocorridos em fases de prospecção enquadradas nos estudos prévios ou paralelos à elaboração dos projectos; sabemos hoje que a maioria dos sítios arqueológicos são identificados em fases de obra...

Sendo a maioria dos sítios arqueológicos enquadrados em áreas a afectar por obras identificados tardiamente, deveríamos concluir que as estratégias que têm sido aplicadas apresentam deficiências. Por isso, deveremos rever as formas de actuação ao nível dos diagnósticos arqueológicos, tornando-os verdadeiramente úteis para a salvaguarda do Património e inequivocamente consequentes ao serviço do planeamento e execução de obras.

Para que os diagnósticos sejam de facto consequentes e úteis, deveríamos exigir resultados mais seguros dos diagnósticos através da diversificação das ferramentas metodológicas aplicadas e da ampliação das amostragens mínimas necessárias, valorizando-se mais as incertezas perceptíveis em áreas nas quais nada se conhece à superfície.

Os diagnósticos, quer sejam concretizados através de acções intrusivas como as escavações arqueológicas, quer sejam obtidos por métodos não intrusivos como as prospecções geofísicas, deveriam ser encarados como verdadeiras ferramentas de trabalho e não como um fim em si mesmos.

A título de exemplo, aqui ficam duas imagens de diagnósticos realizados no traçado de auto-estradas. No primeiro caso, temos um diagnóstico realizado em Portugal; no segundo caso, temos a abordagem implementada em França. As diferenças são evidentes, provavelmente proporcionais aos resultados atingidos em termos de salvaguarda de Património e de segurança fornecida aos gestores de projectos de obras.


terça-feira, 19 de junho de 2012

0035 - NIA em congressos

No âmbito dos projectos FCT que desenvolve, o NIA estará presente no Encontro Anual da Associação Europeia de Arqueólogos, com duas comunicações e um poster:
Impact evaluation approaches to “negative” archaeological contexts
(session: Methodology in Preventive Archaeology: Archaeological Evaluations)
Anthropomorphic figurines at Perdigões Chalcolithic enclosure: realistic human proportion and body canonical posture and look as forms of ideological language. (session: Body Categories and Identities, Health, and Society in Ancient Europe)
Deposition of cremated human remains at Perdigões chalcolithic enclosure (South Portugal)  (em colaboração com o CIAS)
(session: Cremation in European Archaeology)

terça-feira, 17 de abril de 2012

0034 - Workshop de Arqueologia na EB1/JI das Galinheiras/ Ameixoeira, Lisboa

Seguindo com a nossa convicção de que é fundamental comunicar a arqueologia, a Era-Arqueologia, S.A. continua a desenvolver, em parceria com o Projecto Tesouros da Ameixoeira, acções no âmbito da Educação Patrimonial junto dos mais pequenos. Aqui fica um vídeo da sessão que fizemos na EB1/JI das Galinheiras (freguesia da Ameixoeira, Lisboa). Eles gostaram... e nós também!


quarta-feira, 28 de março de 2012

0033 - NIA nas Universidades


O NIA tem como uma das suas funções a articulação com o mundo universitário, tanto no plano da investigação como no da formação. Tarefa que desenvolve no plano nacional e internacional.

No corrente mês de Março as problemáticas relativas aos recintos de fossos da Pré-História Recente portuguesa foram apresentadas na Universidade de Bradford e na Universidade de Oxford, em Inglaterra.

Durante o mês de Abril as conferências transferem-se para Universidades portuguesas. A 12 de Abril, pelas 17.30 na Universidade do Algarve, e a 18 de Abril, pelas 14.30 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto" será apresentada a conferência "Os Perdigões e os seus contextos: um olhar problematizante". No dia 26 de Abril será a vez da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pelas 18.00, com a conferência "Abordagem arqueoastronómica aos recintos da Pré-História Recente.

Nelas apresenta-se investigação: novos dados empíricos, reflexão e problematização, enunciados de síntese (como sempre, dotados de precaridade). De facto, é possível fazer boa ciência e ter uma projecção e valorização nacional e internacional, em contexto empresarial.

Não é, seguramente, fácil. Mas é possível

quinta-feira, 22 de março de 2012

0032 - O que fazer com os espólios?




Esta é uma pergunta perturbadora. Na Arqueologia portuguesa abundam os tabus, certos assuntos de que quase ninguém fala. Um deles é o da vacilante política de gestão de espólios.

A situação é, genericamente, desastrosa: descontrolo sobre inventários e locais de depósito; descontrolo relativamente às condições ambientais dos depósitos; descontrolo no que respeita à segurança dos locais de reserva. O Estado, a que cabe a guarda dos materiais arqueológicos resultantes de escavações, a sociedade em geral e o meio científico não sabem o que temos em depósito, em que estado de conservação se encontram os materiais, quem tem colecções ilegalmente na sua posse ou que artefactos já terão sido roubados ou traficados...no entanto, as consciências parecem estar tranquilas. É um silêncio ensurdecedor.

Como em tudo, devemos saber tomar e assumir opções. O absoluto não existe em Arqueologia (como provavelmente em quase nada na vida) daí que seja impossível idealizar que registamos, recolhemos e guardamos tudo. Dispomos dos meios técnicos e científicos do nosso tempo e estamos limitados logística e financeiramente pelo nosso contexto. Como somos homens, muito nos escapa e lemos a realidade de acordo com as nossas limitações. E sendo a realidade imensa, certamente será impossível guardar tudo. É, seguramente, uma missão impossível.

Parece-me preferível reenterrar, de forma criteriosa e selectiva, materiais arqueológicos recolhidos. É preferível fazê-lo, de forma assumida e consciente, a manter uma hipócrita postura de grande preocupação pelo tratamento dos mesmos, esquecendo as condições de que se dispõe para os armazenar e preservar. A ERA-Arqueologia entrega regularmente colecções nos mais inacreditáveis depósitos legais: lavados, marcados, acondicionados, contentorizados. Quantos anos resistirão às péssimas condições? Para quê o faz de conta? Porque será que quase nunca se fala deste assunto, em que o Estado é responsável perante a lei? Porque será que a tutela da Arqueologia continua, ano após ano, a permitir que arqueólogos e empresas de Arqueologia não cumpram a lei?

Não esqueçamos, no entanto, que futuras opções a tomar, mesmo que assumidas, não devem nunca branquear baixos níveis de exigência da nossa Arqueologia. Para isso não contém com a ERA.

quinta-feira, 8 de março de 2012

0031 - A Era regressa à Ameixoeira


A Era-Arqueologia realizou mais uma sessão com o público mais novo, destinada a transformar o contacto com a Arqueologia e com a Pré-história numa experiência divertida e de elevado potencial didáctico. Na deslocação à EB1/JI das Galinheiras (freguesia da Ameixoeira, Lisboa) o objectivo foi transmitir conhecimentos sobre a Arqueologia e a Pré-história de forma amena e divertida e assim despertar a curiosidade sobre os temas arqueológicos e promover o respeito pelo património histórico-arqueológico. Na base está a ideia de que não se pode gostar daquilo que não se conhece.

Contámos aos alunos o que é que fazem os arqueólogos, donde é que vem a informação que encontram nos seus livros de história, de que maneira é que os objectos que encontramos enterrados podem contar histórias sobre o passado, o que diriam os objectos que usamos se fossem interpretados por arqueólogos do futuro, o que é uma estratigrafia arqueológica, etc.

A experiência diz-nos que esta abordagem pragmática, para além de promover uma compreensão mais profunda sobre a intensa ocupação, ao longo de milhares de anos, do território que hoje habitamos, gera uma vinculação positiva entre as crianças e o património arqueológico que subjaz a todos os passos do seu dia-a-dia e que devem cuidar e respeitar.

Esta iniciativa integra-se na parceria que a Era Arqueologia mantém, há já algum tempo, com o projecto Tesouros da Ameixoeira(http://www.facebook.com/tesouros.ameixoeira).


Coordenação de Projecto: Lucy Evangelista e Mafalda Capela

terça-feira, 6 de março de 2012

0030 - Mais madeira, mais informação, mais conhecimento.



Em Lisboa, em área adjacente ao Mercado da Ribeira, a ERA continua a realizar trabalhos de acompanhamento arqueológico de obras e de escavações arqueológicas, sempre a natureza e relevância dos contextos o justifica. Os elementos agora postos a descoberto, caracterizados por uma ampla e complexa estrutura de madeira, ajudarão a contar a história da relação de Lisboa com o seu rio, nomeadamente ao nível do comércio e da construção e reparação na naval. O projecto de Arqueologia prossegue, plenamente articulado com a obra.

domingo, 4 de março de 2012

0029 - Oportunistas ou irresponsáveis?



A Arqueologia estrutura-se, em parte, a partir de fontes que são finitas. De facto, por muitos restos que nos cheguem dos vários períodos históricos que nos antecederam, a sua descoberta, normalmente atingida através de escavações, vai “consumindo” as nossas possibilidades de abrir essas janelas sobre o passado. Por isso mesmo, a escavação de um sítio arqueológico, nomeadamente de contextos particularmente raros, deve ser muito bem ponderada: se estamos perante um recurso finito e limitado, devemos assumir uma postura de humildade ao proceder à sua efectiva eliminação. Não esqueçamos que qualquer escavação arqueológica é irrepetível; aquilo que hoje escavamos só poderá ser revisitado através do que registarmos.

Não tenho dúvidas em considerar que a Arqueologia portuguesa assenta em relativamente baixos níveis de exigência. Poucos o discutem e ainda menos são os que procuram alterar o estado de coisas. Por isso, os resultados finais dos projectos ficam demasiadamente sujeitos aos critérios das diversas equipas que vão actuando por este país fora, favorecendo-se os mais incompetentes ou oportunistas. Em casos como os da ERA, temos preocupações e uma Visão do que é o papel de responsabilidade, exigência e de inovação que devemos desempenhar. Mas outros casos existem em que a Arqueologia mais não é do que uma actividade de afectação de mão-de-obra em que nada se procura atingir do ponto de vista do conhecimento do passado.

A gestão dos sítios arqueológicos é também uma gestão de fontes de informação. Em muitos casos, é em fase de Estudo de Impacto Ambiental que as decisões começam a ser mal tomadas, sendo muitos os exemplos de más decisões assentes em informação muito limitada, apesar das hipóteses de efectiva recolha prévia de dados consistentes. Disso são exemplo os casos de grandes sítios arqueológicos que estão a ser escavados no âmbito da construção de várias auto-estradas, sem que nada deles tenha sido detectado em fase de avaliação prévia. Ou seja, fazem-se os estudos, tomam-se as decisões sobre grandes obras e, depois, em fase de obras, quando as opções são muito limitadas, surgem os problemas porque aparecem os sítios que ninguém detectara. Então, o tempo já é escasso, os recursos financeiros não estão disponíveis porque não foram previstos e os trabalhos que se realizam acabam por ser limitados à recolha dos dados mais evidentes e à elaboração de relatórios muito superficiais.

Estaremos a ser conscienciosos com a gestão de fontes de informação finitas? Estaremos a gerir correctamente o nosso território, tendo em consideração que nele residem tais janelas para o passado? Estará a nossa sociedade a beneficiar com a actual gestão dos recursos? E que pensarão os nossos herdeiros das decisões que tomamos? Por tudo isto, julgo que devíamos ser muito mais exigentes com o nosso tempo e com as nossas opções. Que deveriam ser muito mais debatidas e partilhadas socialmente. Não estaremos a ser, sobretudo, oportunistas e irresponsáveis?

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

0028 - Arqueologia na zona ribeirinha de Lisboa



As obras na zona ribeirinha de Lisboa implicam, por princípio, a realização de trabalhos arqueológicos. Nesse contexto, as ínumeras intervenções já realizadas pela ERA têm permitido importantes avanços no conhecimento da forma como Lisboa se foi relacionando, ao longo dos séculos, com o Rio Tejo. O recente aparecimento de estruturas de cariz portuário na zona do Mercado da Ribeira é disso um excelente exemplo, devendo ser destacado o amplo conjunto de construções de madeira que remontam, pelo menos, ao século XVI. Aqui, lodos e água permitiram a conservação de elementos que raramente chegam aos arqueólogos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

0026 - Arqueologia, para quem?



Lisboa assistiu, nos últimos anos, à concretização de uma enorme quantidade de projectos de Arqueologia Urbana. Quase todos decorreram a propósito e em paralelo a intervenções de reabilitação ou requalificação urbana. A cidade muda e as intervenções sucedem-se, por vezes em torno de contextos arqueológicos de enorme importância científica e patrimonial. A ERA tem assumido a condução de diversas intervenções, algumas delas de grande envergadura e com impacto nítido em processos de produção de conhecimento.

Lisboa é um caso paradigmático e espelho das virtualidades e problemas da Arqueologia portuguesa. Formalmente existem níveis de exigência muito razoáveis, investe-se e concretizam-se muitas intervenções arqueológicas. No entanto, e Infelizmente, o cidadão comum de pouco ou nada vai sabendo: nem das pequenas ou enormes escavações, nem daquilo que permitem contar sobre o passado da sua cidade. A Arqueologia acontece escondida por tapumes, cristalizando-se em relatórios técnicos para arqueólogos.

A ERA tem procurado romper com este estado de coisas, indo para além das publicações científicas ou apresentações em congressos. Por isso, sempre que possível e quando os clientes aceitam, os trabalhos são devidamente sinalizados com informação específica para o público. É raro e muito pouco. Temos que ir claramente mais longe, demonstrando aos clientes que o seu investimento em Arqueologia pode ter como retorno muito mais do que um mero papel autorizando a sua obra a prosseguir.

Devemos insistir em mudanças de fundo que permitam activar publicamente a Arqueologia. De facto, não deveriam a tutela do Património e Arqueologia e a Associação Profissional de Arqueólogos estar empenhadas neste processo? Não deveria a legislação ser revista passando a enquadrar a Arqueologia, de forma inequívoca, como actividade ao serviço do cidadão? Não deveriam os processos de minimização de impactes sobre bens arqueológicos implicar, como obrigação por parte dos promotores, uma clara divulgação do que é concretizado e dos resultados produzidos? Não deveria a Arqueologia ser vista por todos, tornando-se verdadeiramente um bem Público?

Afinal, para que serve a Arqueologia?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

0025 - International Meeting

“Recent Prehistory Enclosures and Funerary Practices” 
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon
6 to 8 of November 2012.

APRESENTAÇÃO dos CONTEXTOS

Na apresentação de contextos podem ser vistas imagens de sítios que serão abordados durante o encontro e as respectivas localizações na Europa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

0024 - A ERA e a Investigação Aberta nos Perdigões



O NIA (Núcleo de Investigação Arqueológica) da ERA, promoveu, em associação com o Departamento de Ciências da Vida (Antropologia) mais um ciclo de comunicações sobre resultados do projecto de investigação conjunto e em curso "Gestão da morte na Pré-História Recente: práticas funerárias no recinto dos Perdigões". Foi hoje, durante toda a tarde, na Universidade de Coimbra. Com cerca de 120 pessoas, principalmente estudantes universitários, foi possível dar conta dos resultados provisórios do projecto em curso e discutir problemas de fundo em termos de interpretação de fenómenos complexos e com inúmeras possibilidades de abordagem.

Os Perdigões são já um caso de estudo na forma como é idealizada e prosseguida a investigação científica em Portugal, efectivamente aberta a diferentes investigadores, com múltiplas abordagens, de diversificadas instituições e de vários países.

O nosso conceito de Projecto de Arqueologia em Construção implica também abertura ao exterior e o prestar de contas durante os processos de investigação, algo que ainda é difícil de gerir por parte de muito investigadores por esse mundo fora. Ou seja, não queremos processos desgarrados de investigação, fechados sobre si próprios e de resultados partilhados apenas entre pares. Idealmente, queremos mostrar como se faz investigação e como se constrói conhecimento. De alguma forma foi isso que hoje aconteceu em Coimbra. No Verão, durante as próximas escavações nos Perdigões, procuraremos comunicar especificamente para a população de Reguengos de Monsaraz.

A ERA-Arqueologia tem nos Perdigões um projecto “talismã”. Foi o nosso primeiro projecto e continua a ser uma das nossas “bandeiras”. E através dele verificamos sempre que a nossa Visão de uma Arqueologia virada para a sociedade é o único caminho sustentável. Ainda temos muito a construir nos Perdigões; mas através dele e de tantos e tantos projecto que a ERA já realizou, está demonstrado que este é o caminho: investigar, criar conhecimento, divulgar e ambicionar um Património para todos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

0023 - Colóquio Internacional

“Recent Prehistory Enclosures and Funerary Practices”

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon
6 to 8 of November 2012.

Colóquio organizado pelo NIA. Ver programa e ficha de inscrição aqui

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

0022 - Pode ser bom; pode ser mau...



São cada vez mais os adeptos dos diagnósticos arqueológicos. Mas, na verdade, apenas daqueles em que, pela sua consistência, se torna possível verificar a importância científica e patrimonial de um sítio arqueológico e planear adequadamente futuras intervenções: as arqueológicas, ou outras relacionadas com o uso dos territórios. Para obter um bom diagnóstico, é fundamental competência técnica e científica, a que se acrescentam a capacidade de organização e de mobilização dos recursos adequados.

Mas o diagnóstico, que deve ser realizado a tempo e horas, pode ser apenas o princípio de um longo caminho. Que aqueles que são bem feitos ajudam a conhecer previamente, evitando-se surpresas de maior. Assim, é um erro crasso esquecer os dados de um diagnóstico consistente , apesar de, por vezes, ser tentador empurrar para longe aquilo que demonstra, quase sempre: erros daqueles que planearam antes de conhecer (ou procuraram sequer conhecer) os resultados da Arqueologia.

Infelizmente, como sabemos, em Portugal temos enormes problemas de planeamento e, por isso mesmo, não estranhamos que em Arqueologia ainda se trabalhe tão mal a esse nível.

Por isso, temos tantas obras em que a Arqueologia, apesar de limitada a áreas restritas, depois de se “instalar”, parece nunca mais terminar. Nesses casos, donos de obra promovem trabalhos de Arqueologia sem que aqueles que os realizam se comprometam com objectivos claros, datas, recursos ou custos. É o típico, “vai-se andando”, “vai-se vendo o que aparece”, vai-se deixando andar uma Arqueologia descontrolada e, quase sempre, concretizada com recursos desadequados. Curiosamente, tudo isto é mais típico de empreendimentos públicos. Infelizmente. Porque, no final, pagamos todos nós demais e o Património sai, quase sempre, muito mal tratado.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

0021 - Conservadores Restauradores e Construção Civil



A grande vantagem da inclusão de conservadores-restauradores em projectos de construção civil aplicada à reabilitação de edifícios antigos reside na capacidade de, face ao objecto original, obter resultado finais de maior qualidade e coerência.

A ERA-Arqueologia especializou-se no fornecimento de serviços de elevada qualidade técnica, garantindo aos clientes aquilo que normalmente não têm, porque se trata de algo muito especializado: forte conhecimento das técnicas e matérias utilizados pelos construtores de monumentos desde a pré-história ao nosso tempo. Mas não só. Acresce ainda a experiência acumulada no saber fazer como se fazia.

O caso mais recente e ainda em curso é o da requalificação de troços muito amplos do sector Oeste das muralhas de Elvas. Neste caso, tutela, dono-de-obra (Município de Elvas) e cliente compreenderam as vantagens de uma boa coordenação de trabalhos pela nossa equipa de Conservação e Restauro.

Em tempo de crise, alguém continua a tratar do nosso Património.

Conservador-Restaurador coordenador: Pedro Braga
Técnico de Conservação e Restauro: Bruno Moreira



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

0020 - 10º Colóquio ERA Arqueologia

Dia 10 de Março, Auditório do Metropolitano de Lisboa (estação Alto dos Minhos), Lisboa

10.00 - Abertura
10.15 - 11.45 - Miguel Lago, Luís Raposo; Carlos Fabião: Debate: Que caminhos para a Arqueologia ?
12.00 - 12.45 - António Carlos Valera e Lucy Evangelista: Ídolos e figuras dos Perdigões: tipos, contextos, e problemas de representação e sentido.
15.00-15.30 - Marina Pinto: Fragmentos da história da cidade de Évora: o caso do Palácio da Inquisição / Casas Pintadas; Palácio dos Condes de Basto e Pátio de S. Miguel.
15.30 -16.00 - Iola Filipe e Hugo Silva: Escadinhas de São Crispim, Lisboa: a evolução de um espaço entre o período romano e a actualidade
16.00-16.30 - Alexandre Sarrazola e Marta Macedo: Rua do Passadiço: uma ocupação romana de Lisboa na periferia rural de Olisipo
16.45-17-15 - Inês Simão e Rui Ramos: Eira Velha. Uma "área de Serviço" romana na periferia de Conimbriga.
17.15-17.45 - António Valera e Jorge Parreira: "Concheiros e ritualidade no Calcolítico: problemas levantados pelas novas escavações em V.N. de Mil Fontes.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

0019 - Holocénico revisitado (3)

Em Abril de 2004 escrevi:

"Sempre achei interessante o recurso ideológico à ideia de Estado de Natureza e ao Direito Natural. É engraçado ver Rousseau defender um estado de natureza em que o Homem vivia numa harmonia e igualitarismo idealizados, situação que se havia perdido pela introdução da propriedade (o mal de todos os males), gerando a desigualdade e com ela a infelicidade dos Homens, propondo o seu contrato social (que não abole a propriedade privada, mas condiciona-a) como forma de reposicionar esse equilíbrio social perdido. No contexto do século XVIII, eram ideias que respondiam aos anseios de uma pequena/média burguesia francesa.
Não menos engraçado é ver Thomas Hobbes a defender um Estado de Natureza radicalmente diferente, onde o Homem vive em completa anarquia e conflito, movido pelo egoísmo, onde o “Homem é o lobo do Homem”, sendo a sua organização em sociedade dependente de um poder centralizado (concentração de poderes através de um contrato social) que o civilize e lhe permita viver em harmonia e atingir a paz e a felicidade. Uma legitimação clara do poder absoluto e uma inequívoca contestação do parlamentarismo em consolidação na sociedade inglesa do século XVII.
As ideias de que o Homem é por natureza bom, e a sociedade o corrompeu, ou que o Homem é por natureza mau (animal) e que a organização em sociedade o civilizou e lhe limou (mas não aboliu) essa animalidade, acabam por ser as duas faces da mesma moeda, que remetem para uma ideia de essência humana, algo ahistórico, de que nos podemos afastar, mas a que poderemos sempre voltar.
O debate em torno da universidade por vezes lembra-me esta situação. Estará a universidade apenas afastada, perdida, do seu estado de natureza “bom”, necessitada de um contrato social que permita salva-la e repor-lhe a Harmonia que idealizamos para uma comunidade que se rege por princípios éticos, de mérito e de qualidade inquestionáveis (onde o branco, a pureza e o conhecimento se associam, na figura de Cândidos não tocados pela maldade)? Ou, pelo contrário, as situações que existem são o melhor “contrato” que conseguimos fazer para limar, para domesticar, os rasgos de animalidade hobbesiana que caracterizarão a natureza humana?
Enfim, a comparação é puro divertimento e mera associação de ideias, mas pode dar que pensar."

Os contornos da actualidade arqueológica levam-me a pensar, numa perpectiva muito pessoal (que sempre foi a minha), que vivemos tempos "hobbesianos" sob bandeiras pseudo "rousseauanas". "Centralistas" (ou os esperançados em beneficiar dos favores do centralismo), esquecendo o que caracteriza os seus espaços domésticos, apelidam os restantes de "canibais". Pretendentes a "Rei Sol" colocam estrategicamente os seus peões, na esperança de amanhãs que cantem queridos líderes. Outros declaradamente se confessam "pecadores" por participarem de uma dinâmica colectiva liberalizadora, para, sem deixar de recolher os benefícos por ela proporcionados, se declararem apóstolos de associativismos ditos "desinteressados" e tocados pela divina compreensão do bem público.

Mas se a hipocrisia é geral e a teorização sempre interessada, como avaliar e optar? Olhando simplesmente ao que se faz. É ainda a melhor forma de avaliar. Olhem ao que cada um faz.

António Carlos Valera

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

0018 - A estação arqueológica do lugar da Amoreira, São Martinho da Árvore (Coimbra)

Intervenção de diagnóstico. Crónica de um breve episódio (Era, Janeiro de 2012)



«Ó meninos, isto são casas dos moiros? É que nesta terra morava a família – já muito antiga – do engenheiro Moura. Diz-se que havia por cá ouro dos moiros a luzir neste campo do engenheiro Moura. É verdade?». Estava lançada a confusão (não só onomástica como também fonética) sobre aquela escavação arqueológica. À nossa azáfama quotidiana vinha juntar-se o trânsito ansioso de velhas senhoras, crianças ladinas e homens de provecta idade que nos indagavam continuamente, «Sempre são casas dos moiros? E a nossa casa do Centro de Dia para os velhos, já não se constrói?». Como desatar este nó cego de equívocos, mitos locais e as justas preocupações do imediato? Da mesma velha maneira de desatar todos os nós: com paciência, disponibilidade e perseverança, «Não Senhor Custódio, ninguém lhe vai tirar o Centro de Dia nem estas casas são do tempo dos mouros. Obrigado pela tangerina. Sente-se aqui ao meu lado que eu tento explicar-lhe, já que mo pede. É assim então: há já muitos anos, pelo menos desde o século XIX, que se fala de existir aqui um sítio arqueológico. E é bem verdade. Têm sido encontrados por estes campos muitos vestígios romanos. Acontece que agora a Câmara Municipal projectou construir aqui o Centro de Dia. Como funcionam as coisas? Muito bem: antes da obra é necessário fazer trabalhos arqueológicos que nos deixem conhecer a história deste local. Sim, são compatíveis. E note bem: uma terra sem memória é como uma pessoa sem recordações, já pensou nisso? ... Pois claro, o que encontrámos? Estes muros que vê à sua frente são os caboucos dos casões e dos currais de uma quinta do tempo dos romanos, provavelmente aquilo a que chamamos a pars rustica de uma villa. A cerâmica descoberta, por exemplo a terra sigillata – a baixela equivalente à nossa Vista Alegre - assim as como moedas e fíbulas – que são os alfinetes de prender as togas aqui no ombro – são de há cerca de 1500 anos, um tempo em que o Império Romano se estava a desagregar aqui nesta zona da Península Ibérica. E olhe bem estas vasilhas cinzentas: são iguais às que os oleiros daqui da zona faziam muito antes de chegarem os romanos. Sim, pode bem querer dizer que isto é terra de gente de fibra... Se vão ter um muro destes no jardim do Centro? É possível.»



Voltávamos à rotina das nossas tarefas. Enquanto colávamos o logótipo da Era num dos desenhos de campo, ouvíamos ao fundo do pomar a voz do Senhor Custódio, «Ó Perpétua, isto não é nada dos moiros, vem cá para te contar...».

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

0017 - Comunicar para quebrar barreiras




Divulgar os resultados dos projectos que concretizamos é essencial para cumprir a nossa missão. Em Portugal, faz-se muita Arqueologia e, apesar dos problemas, os investimentos são avultados. Infelizmente, para além dos níveis de exigência dos arqueólogos e da sociedade serem relativamente baixos, é gritante uma generalizada dificuldade em comunicar aquilo que ao longo dos dias, meses ou anos se vai fazendo por este país fora. Os clientes pagam e normalmente apenas recebem um "papel" que permite avançar uma obra; os arqueólogos, na sua maioria desmotivados, mergulham em rotinas sem grande sentido; a tutela, desmantelada e sem rumo concreto, pouco mais faz do que condicionar um pouco a realidade. Quanto aos cidadãos, de quase nada sabem, mesmo quando têm Arqueologia à porta de casa. Tudo isto porque quase ninguém comunica.

Todos saímos a perder com este estado de coisas. E por isso, a ERA continua inconformada e a prosseguir um esforço permanente de divulgação.

Hoje foi mostrado a uma equipa um vídeo sobre o projecto em curso no terreno (projecto da Omniknos, empresa do grupo da ERA). Uma produção profissional que constitui uma experiência inovadora. No fundo, uma homenagem a todos os que tornam real o projecto: arqueólogos, operários, cliente, tutela. O próximo passo é o público em geral. Porque a Arqueologia tem que quebrar barreiras e abrir-se à sociedade que deve servir.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

0016 - Trabalhos Arqueológicos no futuro Centro de Saúde de Alhandra


Os trabalhos arqueológicos na Antiga Igreja de S. Francisco foram realizados no âmbito do empreendimento da construção do futuro Centro de Saúde de Alhandra e foi realizado pela Era – Arqueologia, S.A. em Janeiro de 2012. Este trabalho consistiu na realização de 16 sondagens de diagnóstico, que permitiram a determinação da planta e dimensão da Igreja de S. Francisco, a delimitação da área utilizada enquanto necrópole, tanto no interior como no exterior do edifício, assim como a identificação de contextos arqueológicos preservados e estruturas contíguos à antiga Igreja e que poderão estar relacionados com as antigas edificações que rodeariam a mesma.

Foi ainda possível registar uma fase de construção anterior a este edifício, através da existência de estruturas e compartimentos sob os alicerces desta Igreja. É provável, tal como consta nas memórias paroquiais de Alhandra datadas do ano de 1758, que as estruturas identificadas possam corresponder a uma antiga ermida sob a qual se fundou a Ordem Terceira de S. Francisco, no ano de 1721.

Face à importância destes contextos para a construção da história local e regional, foi proposta a escavação arqueológica integral da área a afectar pela construção do futuro edifício do Centro de Saúde, com vista a salvaguardar o património identificado pelo registo arqueológico.

domingo, 29 de janeiro de 2012

0015 - Diagnósticos pouco fiáveis...



A ERA terminou mais um diagnóstico arqueológico, desta vez em Alhandra. Mais uma vez a Arqueologia surge tarde e a más horas. Mais uma vez, alguém planeou e projectou uma obra incorrectamente, talvez por ter sido mal informado. Mais uma vez alguém, numa autarquia, aprovou uma obra sem dados arqueológicos prévios suficientes e consistentes. Mais uma vez alguém, no IGESPAR, não chumbou um primeiro diagnóstico realizado por arqueólogos da autarquia que de tão limitado nunca deveria ter sido encarado como fiável; mais uma vez alguém se esqueceu de dimensionar financeiramente uma obra; mais uma vez alguém fez de conta que nada ali existia.

O diagnóstico que agora foi realizado, já em fase de arranque de obra e adjudicado à ERA pelo mpreiteiro, veio a revelar abundantes e importantes vestígios relativos à história local, a partir do período medieval, incluindo a contextos relacionados com a antiga Igreja de S. Francisco, a sua necrópole e envolvente urbana.

Agora, face a uma “surpresa”, mais uma vez a Arqueologia é um problema, um “bode-expiatório”. Que podia ser evitado. Que podia ser detectado, dimensionado e tratado atempadamente. Agora, porque nada foi planeado, a obra avançará sacrificando-se o Património de todos nós?

Acredito em diagnósticos arqueológicos de qualidade. Diagnósticos que informem, com verdade, as escolhas que pretendemos para gerir a forma de estar no nosso território repleto de vestígios do passado, que devemos gerir com ponderação.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

0014 - Holocénico revisitado (2)

A 4 de Janeiro de 2005 dizia:

““Na expressão grega paideia ressoa algo da leveza e da inocência do jogo infantil. O seu “objecto” próprio, se é que se pode aplicar de todo esta palavra, é o belo. Este significa tudo aquilo que, sem ser útil para alguma coisa, se recomenda por si mesmo, de modo que nenhum homem pergunta para que serve.”
HANS-GEORG GADAMER, Elogio da Teoria

Há muito disto na Arqueologia e no conhecimento que produz.”

Nos últimos dias estive envolvido numa iniciativa da ERA em que se me pediu algo que procurasse demonstrar a razão de ser da Arqueologia. E relembrei a “paideia” grega e a importância de pensar para além do útil, um vício deprimente dos nossos tempos e que, aparentemente, apenas a arte parece saber combater (não sem dificuldade).

Mas no que me coube produzir senti simplesmente prazer e realização, e sabendo que poderá ser útil (dentro de uma perspectiva funcionalista do mundo), não pude deixar de sentir que não estava muito errado quando há sete anos afirmava que a Arqueologia pode ambicionar ao belo, sem mais.

António Carlos Valera

domingo, 22 de janeiro de 2012

0013 - Holocénico revisitado (1)

Durante um ano (2/2004 – 3/2005) tive um blog intitulado Holocénico e que versava sobre Arqueologia, o seu ensino universitário, desempenho profissional, património e produção de conhecimento disciplinar.

O Blog terminou e foi mais tarde publicado em livro pela Era Arqueologia. Hoje está também disponível online na secção de publicações da ERA Arqueologia.

Face à evolução da prática arqueológica desde então e a uma crónica falta de memória (ou leitura) de muita gente e da correspondente permanente redescoberta da América, pensei que poderia ser interessante iniciar uma série de “posts” que lembrassem o que então foi dito e o analisassem em função das situações mais actuais, numa espécie de recapitulação e auto crítica.

Começarei com o Ensino Universitário e o processo de Bolonha.
Disse então:

“Arqueologia e Bolonha 1 (18.01.05)

No documento de recomendações à aplicação de Bolonha nas Ciências Humanas a discussão em torno dos ciclos e das competências aponta para o seguinte modelo: o 1º ciclo de três anos não profissionalizante (o que significa que quem o fizer não poderá ser responsável por qualquer trabalho arqueológico); um 2º ciclo profissionalizante; a possibilidade de, para quem não optar pelo 2º ciclo, poder existir um ano complementar “com vista ao exercício de profissões concretas”.
Por outras palavras, se o modelo adoptado fosse este, para se poder exercer a profissão com responsabilidades de direcção de trabalhos arqueológicos, teria pelo menos que se ter 3+1. Na prática continuaria o modelo de quatro anos. É uma forma de mudar para que tudo fique na mesma.
Mas basta dar uma vista de olhos pelos perfis e pelas competências que o documento define para os alunos saídos do 1º ciclo para perguntar se não estariam habilitados para fazer prospecções, acompanhamentos, estudos de impacte ambiental, por exemplo.
No perfil do graduado de 1º ciclo diz-se: “Informação abrangente sobre vários tipos de património, incluindo a capacidade de situar e compreender cada exemplar ou conjunto de exemplares nos variados contextos de produção (geográfico, ambiental, técnico, cultural, económico, social e institucional); capacidade de realizar trabalhos de dinamização cultural, levantamento e estudo do património.” E nas competências: “capacidade de inventariação, classificação e conservação do Património” ou “Conhecimento das técnicas de identificação, registo e recuperação da informação arqueológica (prospecção e escavação)”.
Ora acontece que a proposta propõe (passe a redundância) que quem tem estes perfis e competências (entre outras)não pode realizar dirigir acompanhamentos ou levantamentos patrimoniais, o que me parece fazer pouco sentido.
Mesmo admitindo que determinados tipos de trabalhos arqueológicos (como direcções de escavação) obriguem a uma formação mais avançada, o melhor seria começar a pensar em estabelecer habilitações diferenciadas para trabalhos diferenciados.”

Passados sete anos o “lobby” universitário impôs-se e, ainda que a legalidade seja duvidosa, o segundo ciclo é exigido para a direcção de trabalhos arqueológicos e os pedidos de licenciados pré Bolonha sucedem-se.

Se não me surpreende que uma universidade sem dinheiro procure os meios de obrigar os seus alunos a pagarem mestrados para obterem graus profissionalizantes (mesmo que a lei não diga exactamente isso), já fico pasmado com o silêncio dos visados (os licenciados) e de uma instituição moribunda intitulada Associação Profissional de Arqueólogos, a qual, um dia, ambicionou transformar-se em Ordem Profissional.

António Carlos Valera

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

0012 - Responsabilidades de empresas e arqueólogos


A actual legislação da Arqueologia portuguesa incorpora uma regra que atribui o licenciamento de projectos única e exclusivamente a arqueólogos. No entanto, a Arqueologia é hoje, eminentemente, uma actividade de equipas e de projectos enquadrados por instituições públicas ou privadas. Para estas últimas, de que se destacam as empresas especializadas, trabalhará uma percentagem muito elevada de arqueólogos que nelas realizam a esmagadora maioria dos projectos.

Se esta é a realidade, penso que já deveria ter sido alterado o actual sistema de licenciamento, criando a possibilidade de entidades colectivas vocacionadas para a Arqueologia poderem ser autorizadas a realizar projectos. Naturalmente, em tal caso, deveria ser sempre exigida a indicação expressa do arqueólogo responsável técnica e cientificamente pela sua direcção. Dessa forma seria possível co-responsabilizar as entidades que enquadram os arqueólogos e que, na prática, os condicionam no exercício da sua profissão.

Para as "más" empresas, que podem não ter qualquer relação com a tutela, o actual estado de coisas favorece o incumprimento de compromissos assumidos com os arqueólogos (que raramente com elas têm contratos), potencia o não pagamento de trabalhos já realizados ou por realizar (relatórios, tratamento de materiais,...) e permite o descartar de todas as responsabilidades legais quando surgem problemas patrimoniais, técnicos, científicos ou mesmo de segurança no trabalho. Mais confortável para os responsáveis de tais empresas não poderia existir: problemas, que os tratem os arqueólogos responsáveis directamente com o IGESPAR, a sua tutela.

Terá a direcção da APA opinião sobre este assunto? E o Grupo de Trabalho para a criação de um sindicato dos arqueólogos? E o IGESPAR ou a futura tutela da Arqueologia? E os arqueólogos?

terça-feira, 17 de janeiro de 2012