«Ó meninos, isto são casas dos moiros? É que nesta terra morava a família – já muito antiga – do engenheiro Moura. Diz-se que havia por cá ouro dos moiros a luzir neste campo do engenheiro Moura. É verdade?». Estava lançada a confusão (não só onomástica como também fonética) sobre aquela escavação arqueológica. À nossa azáfama quotidiana vinha juntar-se o trânsito ansioso de velhas senhoras, crianças ladinas e homens de provecta idade que nos indagavam continuamente, «Sempre são casas dos moiros? E a nossa casa do Centro de Dia para os velhos, já não se constrói?». Como desatar este nó cego de equívocos, mitos locais e as justas preocupações do imediato? Da mesma velha maneira de desatar todos os nós: com paciência, disponibilidade e perseverança, «Não Senhor Custódio, ninguém lhe vai tirar o Centro de Dia nem estas casas são do tempo dos mouros. Obrigado pela tangerina. Sente-se aqui ao meu lado que eu tento explicar-lhe, já que mo pede. É assim então: há já muitos anos, pelo menos desde o século XIX, que se fala de existir aqui um sítio arqueológico. E é bem verdade. Têm sido encontrados por estes campos muitos vestígios romanos. Acontece que agora a Câmara Municipal projectou construir aqui o Centro de Dia. Como funcionam as coisas? Muito bem: antes da obra é necessário fazer trabalhos arqueológicos que nos deixem conhecer a história deste local. Sim, são compatíveis. E note bem: uma terra sem memória é como uma pessoa sem recordações, já pensou nisso? ... Pois claro, o que encontrámos? Estes muros que vê à sua frente são os caboucos dos casões e dos currais de uma quinta do tempo dos romanos, provavelmente aquilo a que chamamos a pars rustica de uma villa. A cerâmica descoberta, por exemplo a terra sigillata – a baixela equivalente à nossa Vista Alegre - assim as como moedas e fíbulas – que são os alfinetes de prender as togas aqui no ombro – são de há cerca de 1500 anos, um tempo em que o Império Romano se estava a desagregar aqui nesta zona da Península Ibérica. E olhe bem estas vasilhas cinzentas: são iguais às que os oleiros daqui da zona faziam muito antes de chegarem os romanos. Sim, pode bem querer dizer que isto é terra de gente de fibra... Se vão ter um muro destes no jardim do Centro? É possível.»
Voltávamos à rotina das nossas tarefas. Enquanto colávamos o logótipo da Era num dos desenhos de campo, ouvíamos ao fundo do pomar a voz do Senhor Custódio, «Ó Perpétua, isto não é nada dos moiros, vem cá para te contar...».
Muito bom! Julgo que os arqueólogos têm obrigações em relação ao cidadão comum, nomeadamente das áreas em que trabalham. Isso também implica alguma humildade e forte capacidade de se distanciarem de uma linguagem eminentemente técnica. A capacidade de comunicação começa no terreno, junto de clientes, técnicos envolvidos (nomeadamente da área da construção civil) e população local. O trabalho da ERA e dos nossos técnicos tem que ser compreendido e valorizado por todos. Mal dos arqueólogos que trabalham virados para o seu umbigo.
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