terça-feira, 31 de janeiro de 2012

0016 - Trabalhos Arqueológicos no futuro Centro de Saúde de Alhandra


Os trabalhos arqueológicos na Antiga Igreja de S. Francisco foram realizados no âmbito do empreendimento da construção do futuro Centro de Saúde de Alhandra e foi realizado pela Era – Arqueologia, S.A. em Janeiro de 2012. Este trabalho consistiu na realização de 16 sondagens de diagnóstico, que permitiram a determinação da planta e dimensão da Igreja de S. Francisco, a delimitação da área utilizada enquanto necrópole, tanto no interior como no exterior do edifício, assim como a identificação de contextos arqueológicos preservados e estruturas contíguos à antiga Igreja e que poderão estar relacionados com as antigas edificações que rodeariam a mesma.

Foi ainda possível registar uma fase de construção anterior a este edifício, através da existência de estruturas e compartimentos sob os alicerces desta Igreja. É provável, tal como consta nas memórias paroquiais de Alhandra datadas do ano de 1758, que as estruturas identificadas possam corresponder a uma antiga ermida sob a qual se fundou a Ordem Terceira de S. Francisco, no ano de 1721.

Face à importância destes contextos para a construção da história local e regional, foi proposta a escavação arqueológica integral da área a afectar pela construção do futuro edifício do Centro de Saúde, com vista a salvaguardar o património identificado pelo registo arqueológico.

domingo, 29 de janeiro de 2012

0015 - Diagnósticos pouco fiáveis...



A ERA terminou mais um diagnóstico arqueológico, desta vez em Alhandra. Mais uma vez a Arqueologia surge tarde e a más horas. Mais uma vez, alguém planeou e projectou uma obra incorrectamente, talvez por ter sido mal informado. Mais uma vez alguém, numa autarquia, aprovou uma obra sem dados arqueológicos prévios suficientes e consistentes. Mais uma vez alguém, no IGESPAR, não chumbou um primeiro diagnóstico realizado por arqueólogos da autarquia que de tão limitado nunca deveria ter sido encarado como fiável; mais uma vez alguém se esqueceu de dimensionar financeiramente uma obra; mais uma vez alguém fez de conta que nada ali existia.

O diagnóstico que agora foi realizado, já em fase de arranque de obra e adjudicado à ERA pelo mpreiteiro, veio a revelar abundantes e importantes vestígios relativos à história local, a partir do período medieval, incluindo a contextos relacionados com a antiga Igreja de S. Francisco, a sua necrópole e envolvente urbana.

Agora, face a uma “surpresa”, mais uma vez a Arqueologia é um problema, um “bode-expiatório”. Que podia ser evitado. Que podia ser detectado, dimensionado e tratado atempadamente. Agora, porque nada foi planeado, a obra avançará sacrificando-se o Património de todos nós?

Acredito em diagnósticos arqueológicos de qualidade. Diagnósticos que informem, com verdade, as escolhas que pretendemos para gerir a forma de estar no nosso território repleto de vestígios do passado, que devemos gerir com ponderação.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

0014 - Holocénico revisitado (2)

A 4 de Janeiro de 2005 dizia:

““Na expressão grega paideia ressoa algo da leveza e da inocência do jogo infantil. O seu “objecto” próprio, se é que se pode aplicar de todo esta palavra, é o belo. Este significa tudo aquilo que, sem ser útil para alguma coisa, se recomenda por si mesmo, de modo que nenhum homem pergunta para que serve.”
HANS-GEORG GADAMER, Elogio da Teoria

Há muito disto na Arqueologia e no conhecimento que produz.”

Nos últimos dias estive envolvido numa iniciativa da ERA em que se me pediu algo que procurasse demonstrar a razão de ser da Arqueologia. E relembrei a “paideia” grega e a importância de pensar para além do útil, um vício deprimente dos nossos tempos e que, aparentemente, apenas a arte parece saber combater (não sem dificuldade).

Mas no que me coube produzir senti simplesmente prazer e realização, e sabendo que poderá ser útil (dentro de uma perspectiva funcionalista do mundo), não pude deixar de sentir que não estava muito errado quando há sete anos afirmava que a Arqueologia pode ambicionar ao belo, sem mais.

António Carlos Valera

domingo, 22 de janeiro de 2012

0013 - Holocénico revisitado (1)

Durante um ano (2/2004 – 3/2005) tive um blog intitulado Holocénico e que versava sobre Arqueologia, o seu ensino universitário, desempenho profissional, património e produção de conhecimento disciplinar.

O Blog terminou e foi mais tarde publicado em livro pela Era Arqueologia. Hoje está também disponível online na secção de publicações da ERA Arqueologia.

Face à evolução da prática arqueológica desde então e a uma crónica falta de memória (ou leitura) de muita gente e da correspondente permanente redescoberta da América, pensei que poderia ser interessante iniciar uma série de “posts” que lembrassem o que então foi dito e o analisassem em função das situações mais actuais, numa espécie de recapitulação e auto crítica.

Começarei com o Ensino Universitário e o processo de Bolonha.
Disse então:

“Arqueologia e Bolonha 1 (18.01.05)

No documento de recomendações à aplicação de Bolonha nas Ciências Humanas a discussão em torno dos ciclos e das competências aponta para o seguinte modelo: o 1º ciclo de três anos não profissionalizante (o que significa que quem o fizer não poderá ser responsável por qualquer trabalho arqueológico); um 2º ciclo profissionalizante; a possibilidade de, para quem não optar pelo 2º ciclo, poder existir um ano complementar “com vista ao exercício de profissões concretas”.
Por outras palavras, se o modelo adoptado fosse este, para se poder exercer a profissão com responsabilidades de direcção de trabalhos arqueológicos, teria pelo menos que se ter 3+1. Na prática continuaria o modelo de quatro anos. É uma forma de mudar para que tudo fique na mesma.
Mas basta dar uma vista de olhos pelos perfis e pelas competências que o documento define para os alunos saídos do 1º ciclo para perguntar se não estariam habilitados para fazer prospecções, acompanhamentos, estudos de impacte ambiental, por exemplo.
No perfil do graduado de 1º ciclo diz-se: “Informação abrangente sobre vários tipos de património, incluindo a capacidade de situar e compreender cada exemplar ou conjunto de exemplares nos variados contextos de produção (geográfico, ambiental, técnico, cultural, económico, social e institucional); capacidade de realizar trabalhos de dinamização cultural, levantamento e estudo do património.” E nas competências: “capacidade de inventariação, classificação e conservação do Património” ou “Conhecimento das técnicas de identificação, registo e recuperação da informação arqueológica (prospecção e escavação)”.
Ora acontece que a proposta propõe (passe a redundância) que quem tem estes perfis e competências (entre outras)não pode realizar dirigir acompanhamentos ou levantamentos patrimoniais, o que me parece fazer pouco sentido.
Mesmo admitindo que determinados tipos de trabalhos arqueológicos (como direcções de escavação) obriguem a uma formação mais avançada, o melhor seria começar a pensar em estabelecer habilitações diferenciadas para trabalhos diferenciados.”

Passados sete anos o “lobby” universitário impôs-se e, ainda que a legalidade seja duvidosa, o segundo ciclo é exigido para a direcção de trabalhos arqueológicos e os pedidos de licenciados pré Bolonha sucedem-se.

Se não me surpreende que uma universidade sem dinheiro procure os meios de obrigar os seus alunos a pagarem mestrados para obterem graus profissionalizantes (mesmo que a lei não diga exactamente isso), já fico pasmado com o silêncio dos visados (os licenciados) e de uma instituição moribunda intitulada Associação Profissional de Arqueólogos, a qual, um dia, ambicionou transformar-se em Ordem Profissional.

António Carlos Valera

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

0012 - Responsabilidades de empresas e arqueólogos


A actual legislação da Arqueologia portuguesa incorpora uma regra que atribui o licenciamento de projectos única e exclusivamente a arqueólogos. No entanto, a Arqueologia é hoje, eminentemente, uma actividade de equipas e de projectos enquadrados por instituições públicas ou privadas. Para estas últimas, de que se destacam as empresas especializadas, trabalhará uma percentagem muito elevada de arqueólogos que nelas realizam a esmagadora maioria dos projectos.

Se esta é a realidade, penso que já deveria ter sido alterado o actual sistema de licenciamento, criando a possibilidade de entidades colectivas vocacionadas para a Arqueologia poderem ser autorizadas a realizar projectos. Naturalmente, em tal caso, deveria ser sempre exigida a indicação expressa do arqueólogo responsável técnica e cientificamente pela sua direcção. Dessa forma seria possível co-responsabilizar as entidades que enquadram os arqueólogos e que, na prática, os condicionam no exercício da sua profissão.

Para as "más" empresas, que podem não ter qualquer relação com a tutela, o actual estado de coisas favorece o incumprimento de compromissos assumidos com os arqueólogos (que raramente com elas têm contratos), potencia o não pagamento de trabalhos já realizados ou por realizar (relatórios, tratamento de materiais,...) e permite o descartar de todas as responsabilidades legais quando surgem problemas patrimoniais, técnicos, científicos ou mesmo de segurança no trabalho. Mais confortável para os responsáveis de tais empresas não poderia existir: problemas, que os tratem os arqueólogos responsáveis directamente com o IGESPAR, a sua tutela.

Terá a direcção da APA opinião sobre este assunto? E o Grupo de Trabalho para a criação de um sindicato dos arqueólogos? E o IGESPAR ou a futura tutela da Arqueologia? E os arqueólogos?

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

0010 - Deontologia profissional...


As questões de deontologia profissional são pouco discutidas no seio da Arqueologia portuguesa. Lamentavelmente, porque na base da nossa profissão devem estar as preocupações com as boas práticas e a instituição de um saudável ambiente de auto regulação, precisamente assente em aspectos do foro ético devidamente consensualizados. Em minha opinião este deficit é uma das maiores causas de debilidades nesta área, nomeadamente em termos de afirmação face a outras profissões que, em muitas situações, se articulam com a de arqueólogo e em termos de uma clara permissividade que me parece existir face a actuações técnico-cientificas censuráveis, de que por vezes temos conhecimento.
A este propósito, do que deve ou não deve ser feito, fui surpreendido por um caso recente: um promotor de uma obra num importante e sensível centro histórico português dá início aos trabalhos de construção civil sem qualquer trabalho de acompanhamento arqueológico da obra, apesar de uma condicionante nesse sentido por parte da respectiva autarquia. Na sequência de uma vista de técnicos camarários, tal promotor decide contratar um arqueólogo para realizar os trabalhos que ainda fosse possível concretizar em áreas por afectar.
Por razões burocráticas, a(s) tutela(s) do Património (IGESPAR e DRC) demora numa tomada de decisão relativamente ao Plano de Trabalhos de Arqueologia apresentado, apesar da obra prosseguir em bom ritmo e da continuada destruição de contextos arqueológicos. Perante tal impasse, o arqueólogo dá início ao acompanhamento arqueológico da obra, informando telefonicamente técnicos da tutela.
Que pensar deste procedimento? Deve num caso semelhante ser dada prioridade à questão legal ou à questão deontológica? Deve o arqueólogo numa situação deste tipo dar início a um trabalho para o qual foi contratado, mas para o qual não está ainda autorizado, ou deve aguardar pela legalização da sua actuação, permitindo que a obra prossiga sem qualquer acção de salvaguarda patrimonial?...

Conclusão da história: o trabalho não foi licenciado pela tutela que considerou que deveriam ser abertas sondagens arqueológicas numa pequena área ainda preservada no local e o arqueólogo foi acusado de realizar trabalhos ilegais e lesivos do património arqueológico, não lhe sendo aplicada qualquer sanção porque tal não está previsto na lei.

Não esqueço que a Arqueologia portuguesa tem coisas muito boas e que o nosso quotidiano continua a dar razões para que nos empenhemos. Penso que este não foi um desses casos.

O que pensa de uma situação como a descrita?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

0009 - ETAR de Vila Nova de Milfontes


Tudo começou nos anos oitenta com uma pequena sondagem realizada por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares. O sítio foi então sumariamente caracterizado. Agora, no âmbito da ampliação da ETAR de Vila Nova de Milfontes, decorreu uma supreendente campanha de escavações arqueológicas em área (318m2). Mais uma acção de minimização de impactes decorrentes de uma intervenção de construção civil. Mais uma vez e ao contrário do que se pensava, o sítio arqueológico, enquadrável no Calcolítico (3º milénio AC) estava bem preservado e os resultados foram muito significativos do ponto de vista científico.
Destaque para a recolha de três ídolos, um dos quais apresenta decorações e para a importante identificação, no interior de uma fossa, do esqueleto completo de um equídeo, com excepção do crânio, tudo apontando para uma deposição intencional e ritualizada. Na zona central da área objecto de intervenção, foi descoberto um concheiro, uma área de lixeira composta por uma ampla acumulação de conchas. Foram ainda identificadas várias estruturas de possíveis lareiras, compostas por nódulos de argila cozida depositados no interior de fossas circulares.
Destaque ainda para a escavação integral de uma estrutura circular, eventualmente constituinte de uma cabana, com cerca de 10m de diâmetro, composta na sua delimitação periférica por grandes seixos colocados em cutelo, no centro da qual se encontrava um piso de argila e elementos para eventual assentamento de postes internos.
O relatório final está em fase de elaboração, perspectivando-se a continuidade da investigação através de colaborações entre a ERA e outras instituições.
.
Arqueólogos responsáveis: Jorge Parreira e Artur Ribeiro
Coordenação de Projecto: Inês Mendes da Silva

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

0008 - Igreja de S. Francisco de Alhandra

A ERA-Arqueologia está a realizar uma intervenção arqueológica no local em que se erguia a Igreja de S. Francisco, em Alhandra. Estas escavações prévias enquadram-se num projecto mais vasto de construção do novo Centro de Saúde local. Os resultados permitirão conhecer a evolução histórica daquele espaço, provavelmente de cariz religioso desde a Idade Média. A presença de restos humanos, normal nestes locais, implicará um estudo específico sobre a população ali enterrada.

Direcção Científica: Lúcia Miguel
Coordenação de Projecto: Inês Mendes da SIlva

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

0007 - E por falar em para que serve a Arqueologia.

É com frequência que vejo arqueólogos afirmarem que o seu principal papel enquanto arqueólogos é preservar o património arqueológico. Discordo. Porque se assim for, estão derrotados à partida.

As principais tarefas de um Arqueólogo são produzir conhecimento e saber transformar esse conhecimento em algo socialmente interveniente, reconhecido e valorizado. Porque é isso que, na longa duração, possibilitará a preservação do património (que já por si tem que ser entendida como um processo dinâmico).

Isto não quer dizer que, em face das ocorrências quotidianas, essa vertente de “arqueólogo bombeiro”, que socorre e salva vestígios arqueológicos ameaçados, não seja uma preocupação e uma prática necessárias. Mas não pode ser confundida com a principal.

E não pode porque nós, enquanto colectivo, não existimos para servirmos o património. Nós constituímos património para que ele nos seja útil, para que ele nos sirva. Nós, sociedade, somos o verdadeiro objectivo a que se dirige a actividade do Arqueólogo, não os elementos patrimoniais em si. Estes são apenas instrumentais em cada momento histórico. Por isso a Arqueologia é uma Ciência Social e não uma actividade de conservação (por mais fundamental que conservar e preservar seja, até para que existam vestígios materiais do passado que possam ser potenciados socialmente como património activo).

Mas se ingenuamente pensarmos que a nossa actividade é descobrir e estudar o documento arqueológico, publicar para o nosso restrito circuito corporativo (que já de si lê pouco), restaurá-lo, vedá-lo e expô-lo passivamente (frequentemente sem pensar em custos de manutenção), o resultado será, mais tarde ou mais cedo, este:


















Situação actual da necrópole da Idade do Bronze do Pessegueiro (a da Idade do Ferro já quase nem se vê), Sines. Integrada num Parque Natural, salva-se a placa, agradável à vista e bem preservada.

O património é para servir, não para ser servido. É para ser usado socialmente; é para ser útil socialmente. Para isso precisamos de ultrapassar concepções passivas de património e dos profissionais do património. Dotar o património de serviço social é um trabalho dinâmico, nunca concluído e complexo, pois mexe com ideologia, política, identidade e outras dimensões estruturantes do humano. Mas esse património só será acarinhado se o soubermos constituir, repito até à exaustão, como algo socialmente valorizado e perspectivado como um factor activo nas dinâmicas sociais do nosso tempo.

Caso contrário, por mais redes e sinaléticas de design ecologista...

António Valera

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

0006 - "Serviços"

A Arqueologia é, para mim, uma Ciência Social. Digo para mim porque não é seguro que o seja para vários arqueólogos em Portugal.

Contudo, não é por ser Ciência nem Social que a Arqueologia, no que se refere às suas dimensões profissionais e institucionais, terá particularidades que a distingam de forma profunda de outras. A Sociologia, a Antropologia, a Psicologia (social), a Geografia (humana), a História e tantos outros ramos das Humanidades e das Ciências Sociais têm os seus profissionais, o seu mercado, as suas diversas instituições (públicas e privadas) de prática profissional.

Mas diria que algo de comum a várias destas disciplinas, nas suas dimensões de actividade profissional no mercado, é produzirem conhecimento, para além de simplesmente o aplicarem. Se actuam naquilo que poderemos considerar como parte integrante do sector terciário, portanto dos serviços, a sua “produção”não se esgota num simples serviço, mas deve “produzir” um produto chamado “conhecimento”, que só por ser imaterial escapa aos sectores primários e secundários.

Brincando, ou talvez não, poderíamos dizer que, numa versão positivista, a Arqueologia extrai conhecimento das fontes arqueológicas (o que a poderia fazer integrar um sector primário, extractivo) ou que, numa perspectiva mais pós-moderna, constrói conhecimento na relação que mantém com os vestígios arqueológicos (o que a colocaria num sector secundário, transformador). Mas a imaterialidade da sua produção coloca-a no terciário sector dos serviços. E aqui podem surgir alguns equívocos.

Se é verdade que ao organizar um circuito arqueológico, ao restaurar património arqueológico ou ao resolver um problema de minimização a um promotor de um empreendimento, o arqueólogo (e a instituição que o enquadra) presta um serviço, não é menos verdade que a prestação desse serviço deve incorporar uma produção de conhecimento. O serviço não é simplesmente montar o circuito ou escavar o sítio afectado pela estrada. O serviço é, através disso, produzir e transmitir conhecimento.

Mas esse conhecimento tem que ser útil. Como o do sociólogo que faz e analisa inquéritos, estabelece tendências, interpreta anseios, gera consciencializações, e com isso informa opções e decisões de indivíduos ou colectivos. O mesmo se deverá passar com actividade arqueológica: produzir um conhecimento útil e não simplesmente desenvolver uma prática técnica que responde a um qualquer normativo e por aí se ficar.

O que nos conduz à utilidade do conhecimento arqueológico e à pergunta a quem ele serve. É útil aos processos do próprio desenvolvimento disciplinar. Esta é a sua dimensão tautológica: a Arqueologia pela Arqueologia e para a Arqueologia. Todas as ciências a têm e a todas é necessária. Mas qualquer ciência tem uma utilidade social, aquela que mais a justifica (e sobretudo justifica os investimentos que recebe).

Desta linha de pensamento decorre que no caso dos processos de minimização de impactes sobre património arqueológico o serviço prestado não se esgota em “ajudar” um promotor a resolver um problema que o normativo lhe impõe, mas que nesse “ajudar” se tem que produzir conhecimento socialmente útil, que está para além dos interesses imediatos desse promotor, mas a quem também deverá ser demonstrada a utilidade.

De facto, um conhecimento só pode ser socialmente (ou particularmente) útil se for socialmente (ou particularmente) conhecido. E só sendo socialmente (ou particularmente) conhecido e reconhecidamente útil, será socialmente (e particularmente) valorizado: o conhecimento e quem o produz.

Ora o conhecimento produzido pela Arqueologia enquadra-se no âmbito das ciências históricas e na dimensão sociológica da produção de património. Significa que, nestes trabalhos de minimização (e ao contrário do médico que trata o doente ou do mecânico que repara o carro), o serviço é sempre prestado a vários clientes: a um mais particular (que o procura por imposição normativa) e a outros colectivos e diversificados (a comunidade científica disciplinar, as comunidades que poderão ser mais directamente ligadas ao território e ao seu património, ou a um público geral a várias escalas.

Um primeiro problema é que apenas o primeiro cliente paga. E porquê? Porque é ele que destrói o que é visto como bem colectivo. É o princípio do “poluidor pagador”. Mas quem se propõe resolver a “poluição” e quem exige e deve zelar porque ela seja bem resolvida não podem esquecer os “outros clientes”, pois são precisamente eles que justificam o tal princípio do poluidor pagador.

Um segundo problema é que muitos desses outros clientes não sabem que o são (ou que o podem ser) e por isso raramente são exigentes. Por isso talvez não fosse má ideia começar a integrar práticas nos processos de minimização que enquadrem no “serviço a prestar” aquilo a que se chama educação patrimonial: que significa simplesmente levar esses outros “clientes” a serem “clientes” do conhecimento produzido pela Arqueologia; a aprenderem a apreciá-lo, a valorizá-lo e a conseguirem destrinçar o que é socialmente útil do trivial e inútil.

Seria uma forma de afirmar a Arqueologia e os seus profissionais na sociedade e, simultaneamente, de os responsabilizar pelo nível daquilo que produzem (ou deveriam produzir): narrativas socialmente actuantes, potenciadoras de mudança ou de resistência, geradoras de consciência e de identidade, de “alargamento” intelectual e desenvolvimento de emoções e de racionalidade crítica. Ocorre-me dizer que é isso que distingue o arquitecto do empreiteiro. Sem desprimor para o segundo, eu diria que uma escavação arqueológica deve ser “um projecto de arquitectura” e não uma simples empreitada.

António Valera

0005 - Vantagens competitivas?



Não acredito que a única vantagem competitiva das empresas, nomeadamente no mercado da Arqueologia, seja o preço. Existem muitas mais e, assim de repente, lembro-me das seguintes:
  • a forma como se orientam em função dos interesses dos clientes, assegurando o cumprimento da legislação e prosseguindo boas práticas em vigor na nossa área;
  • a criatividade que colocam na definição e na aplicação das mais adequadas soluções que assegurem o maior rigor técnico e científico possível;
  • a reputação de que alguns dispõem junto dos clientes, da tutela e do meio científico;
  • os recursos humanos (as pessoas qualificadas são uma grande vantagem!) e logísticos que permitem uma adequada mobilização de recursos e uma execução mais profissional dos projectos;
  • uma boa capacidade de gestão de projectos que permita assegurar a clientes que a Arqueologia é uma área de actuação isenta dos enormes imponderáveis em que tantas vezes se escudam os maus profissionais.
Mal estão aqueles que resumem tudo ao preço. Mostram falta de profissionalismo, escassa criatividade, nula capacidade de actuação comercial, conformismo técnico-científico e desrespeito pelas possibilidades oferecidas pela progressão individual e profissional dos arqueólogos em geral.

A tendência para baixos preços na prestação de serviços de Arqueologia em Portugal não é, em si mesmo, uma causa. É, antes de mais, consequência de insuficiências dos profissionais (de todos os enquadramentos institucionais, sem excepção, e não apenas dos que estão nas empresas) que tendem a desvalorizar as suas próprias capacidades (quando as têm), entre as quais as de comunicação com não arqueólogos. Se aquilo que se compra em Arqueologia fossem produtos sem distinção possível, o que não sucede, quem os coloca no mercado deveria ser sempre criativo na busca de outras vantagens competitivas, para além do preço. E, apesar do ambiente lamurieno, são vários os casos em que clientes optam por opções mais caras em termos de valor porque entendem que o preço final a pagar é resultado de diversos factores.

O ano de 2012 será um bom barómetro em relação a tudo isto.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

0004 - NIA no IX Congresso Ibérico de Arqueometria


O IX Congresso Ibérico de Arqueometria decorreu em Outubro do ano passado na Fundação Calouste Gulbenkian. Na secção de Geofísica, o NIA apresentou os resultados mais recentes do projecto de prospecções geofísicas em recintos de fossos pré-históricos, projecto financiado pela própria fundação. Para a lém desta comunicação oral, dois posters foram igualmente apresentados e outros trabalhos presentes versaram também sobre contextos intervencionados pela ERA Arqueologia.
Continua e continuará a fazer-se investigação arqueológica programada em Portugal. E, apesar dos anunciadores do Apocalipse, com diversos enquadramentos institucionais. O que só pode ser enriquecedor.