sábado, 8 de março de 2014

057 - Todos pudemos fazer mais e melhor


Persistem, desde há quase vinte anos, dois problemas de base na arqueologia portuguesa: as fortes limitações  em termos de difusão social e a pouca espessura científica que atingem a grande maioria dos projectos concretizados. Por isso, continuamos a ter muito que evoluir para rentabilizar todas as potencialidades da arqueologia que é encarada (quase sempre) por quem a paga como mero exercício de diletância dos seus praticantes ou como obrigação legal assumida com vista à obtenção de papéis ou assinaturas inerentes a licenciamentos.

É há muito evidente que temos poucos recursos para concretizar uma arqueologia ambiciosa do ponto de vista da prática de campo e dos processos de investigação ou de divulgação. Nunca se ultrapassaram minimamente limitações históricas de afirmação social da arqueologia, indo-se muito pouco além do mero fascínio que cria na generalidade das pessoas.

Para alterar este persistente estado de coisas é necessário que os arqueólogos em Portugal sejam muito mais conscientes do significado social da sua profissão e efectivamente capazes de agir no quotidiano de forma a afirmar o seu papel próprio.

Por isso, os arqueólogos portugueses não se podem conformar com a persistência de baixos níveis de exigência e com práticas que colocam em causa os pressupostos éticos e o sentido final da profissão; todos somos responsáveis e todos pudemos fazer mais e melhor.


Sendo o património finito, é também uma fonte inesgotável de conhecimento e de inspiração para o futuro que nos cabe, sobretudo a nós, difundir. Por isso, tentemos ser mais e mais exigentes, justificando as possibilidades e virtualidades da obtenção de resultados consistentes e socialmente disseminados.

Revelemos o nosso trabalho à comunidade...

3 comentários:

  1. Parece-me que o tempo verbal que procura será: podemos (presente). Concordo que o nível científico da maior parte das intervenções em contexto de obra é mínimo, sendo, a maior parte das vezes, pouco correto. Não é, portanto, fidedigno. Contudo, isso apenas acontece devido aos orçamentos ridículos que os "senhores", e neste "senhores", incluo todas as empresas de arqueologia, apresentam. A ausência de recursos que refere, e que há muito se tornou evidente, discorre da mesmíssima razão, a saber, orçamentos ridiculamente baixos, prazos impossíveis, trabalhadores mal remunerados e sem condições, ilegalmente empregues em regime de prestação de serviços (consultar o artigo nº 12 do código do trabalho). Parece-me que no meio deste caos, será um bocado abusivo pedir aos arqueólogos, volto a referir, ilegalmente empregues a recibos verdes, mal remunerados, sem condições, etc, etc, que sejam eles a ter a ética e deontologia profissional, iria mais longe a MORAL, que os "senhores" ignoram logo à partida na elaboração dos ditos orçamentos, oferecendo remunerações ridículas, forçando o uso de veículos próprios e outro material em proveito da empresa, sem qualquer tipo de compensação, nem sequer pelo combustível, sem ajuda para almoço forçando trabalhadores altamente qualificados a levar marmita para o campo ou comer sandes durante meses, quanto até um servente a contrato com um construtor civil tem uma diária paga em qualquer lado. Mas como o trabalho de escavação é uma coisa leve, a malta passa bem com uma sande... Quer dizer, o custo da boa arqueologia ainda somos nós que devemos suportar. Posto isto, concordo com quase tudo o que disse. Trabalho há alguns anos em arqueologia e já assisti a práticas de pôr os cabelos em pé e todos sabemos que a fiscalização por parte da Tutela é o que é... A divulgação do conhecimento, que é o objetivo de qualquer projeto em arqueologia, assume-se inclusivamente como a etapa final do todo o processo, sendo o que justifica a ação destrutiva que é a escavação arqueológica, é praticamente inexistente, sendo de louvar as poucas iniciativas. No entanto, será este conhecimento fidedigno? Com as práticas a que já assisti, os registos ou melhor a ausência deles, que certas intervenções têm, devido a todas as razões supracitadas, não me parece que as publicações que delas resultam sejam de fiar. Enquadrar-se-iam melhor numa categoria de ficção científica arqueológica. Tudo o que diz é verdade, contudo, é preciso pôr a mão na consciência antes de começar a tecer criticas ou a apontar os desgraçados dos arqueólogos, que não têm nem poderão nunca ter vida, devido aos "senhores", como solução para as boas práticas arqueológicas ou como "enforcers" da ética e deontologia profissional. Com os melhores cumprimentos: Filipe Gouveia (Arqueólogo).

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    1. A capacidade de auto-crítica é uma virtude. O percurso da ERA não está, de forma alguma, isento de reparos. No entanto, estamos orgulhosos dos resultados obtidos por este projecto empresarial. Saliento da sua mensagem o facto de se rever em aspectos significativos do meu texto, parecendo-me que, em relação a outros pontos, talvez não disponha de informação consistente.

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    2. Como disse, sobre a perspetiva do estado cientifico do "fazer" arqueologia em Portugal e da divulgação do conhecimento obtido, estamos de acordo. Mais, volto a saudar a preocupação das raras iniciativas no tecido empresarial para a produção de conhecimento científico, entre as quais incluo o NIA. Quanto ao resto, a informação que disponho, ainda que possa ser inferior à que dispõe, é mais do que suficiente e verificada de uma forma consistente, para a análise que efetuo... Além do mais, a informação é como uma laranja e dá sumo consoante for espremida... Para mal dos meus pecados, essa informação, que julga inconsistente, decorre de 7 anos de empirismo e observação, precedidos de duas licenciaturas e uma pós-graduação... O meu comentário não foi dirigido nem a si nem à empresa, em particular, que nada tenho a apontar do ponto de vista da prática arqueológica, mas sim, uma crítica a todo o tecido empresarial da arqueologia portuguesa... Esse tecido empresarial, salvaguardando raras exceções, é, na minha opinião, o principal cancro da arqueologia portuguesa... Isto porque, quem quiser ter uma empresa com qualidade de serviços e condições para os seus funcionários e colaboradores não tem qualquer hipótese de competir com candongueiros e empresas de "cavações arqueológicas", que apresentam orçamentos ridículos e prazos impraticáveis, ignorando toda a ética e deontologia profissional, bem como, o dever social de salvaguarda de um bem material e imaterial que é de todos os portugueses e da humanidade. Posto isto, que fique claro que o meu comentário foi apenas uma resposta espontânea que, algumas das afirmações que fez, suscitaram. A minha revolta contra as empresas nada tem a ver com as pessoas. Não tenho nada contra as pessoas, a grande maioria nem as conheço. Tenho contra o status quo da minha profissão e o estado geral da Arqueologia em Portugal que, volto a referir, decorre do modus operandi do respetivo tecido empresarial, embora o mesmo ache que a culpa é dos arqueólogos. Com os melhores cumprimentos: Filipe Gouveia.

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