quinta-feira, 22 de março de 2012

0032 - O que fazer com os espólios?




Esta é uma pergunta perturbadora. Na Arqueologia portuguesa abundam os tabus, certos assuntos de que quase ninguém fala. Um deles é o da vacilante política de gestão de espólios.

A situação é, genericamente, desastrosa: descontrolo sobre inventários e locais de depósito; descontrolo relativamente às condições ambientais dos depósitos; descontrolo no que respeita à segurança dos locais de reserva. O Estado, a que cabe a guarda dos materiais arqueológicos resultantes de escavações, a sociedade em geral e o meio científico não sabem o que temos em depósito, em que estado de conservação se encontram os materiais, quem tem colecções ilegalmente na sua posse ou que artefactos já terão sido roubados ou traficados...no entanto, as consciências parecem estar tranquilas. É um silêncio ensurdecedor.

Como em tudo, devemos saber tomar e assumir opções. O absoluto não existe em Arqueologia (como provavelmente em quase nada na vida) daí que seja impossível idealizar que registamos, recolhemos e guardamos tudo. Dispomos dos meios técnicos e científicos do nosso tempo e estamos limitados logística e financeiramente pelo nosso contexto. Como somos homens, muito nos escapa e lemos a realidade de acordo com as nossas limitações. E sendo a realidade imensa, certamente será impossível guardar tudo. É, seguramente, uma missão impossível.

Parece-me preferível reenterrar, de forma criteriosa e selectiva, materiais arqueológicos recolhidos. É preferível fazê-lo, de forma assumida e consciente, a manter uma hipócrita postura de grande preocupação pelo tratamento dos mesmos, esquecendo as condições de que se dispõe para os armazenar e preservar. A ERA-Arqueologia entrega regularmente colecções nos mais inacreditáveis depósitos legais: lavados, marcados, acondicionados, contentorizados. Quantos anos resistirão às péssimas condições? Para quê o faz de conta? Porque será que quase nunca se fala deste assunto, em que o Estado é responsável perante a lei? Porque será que a tutela da Arqueologia continua, ano após ano, a permitir que arqueólogos e empresas de Arqueologia não cumpram a lei?

Não esqueçamos, no entanto, que futuras opções a tomar, mesmo que assumidas, não devem nunca branquear baixos níveis de exigência da nossa Arqueologia. Para isso não contém com a ERA.

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