quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

0007 - E por falar em para que serve a Arqueologia.

É com frequência que vejo arqueólogos afirmarem que o seu principal papel enquanto arqueólogos é preservar o património arqueológico. Discordo. Porque se assim for, estão derrotados à partida.

As principais tarefas de um Arqueólogo são produzir conhecimento e saber transformar esse conhecimento em algo socialmente interveniente, reconhecido e valorizado. Porque é isso que, na longa duração, possibilitará a preservação do património (que já por si tem que ser entendida como um processo dinâmico).

Isto não quer dizer que, em face das ocorrências quotidianas, essa vertente de “arqueólogo bombeiro”, que socorre e salva vestígios arqueológicos ameaçados, não seja uma preocupação e uma prática necessárias. Mas não pode ser confundida com a principal.

E não pode porque nós, enquanto colectivo, não existimos para servirmos o património. Nós constituímos património para que ele nos seja útil, para que ele nos sirva. Nós, sociedade, somos o verdadeiro objectivo a que se dirige a actividade do Arqueólogo, não os elementos patrimoniais em si. Estes são apenas instrumentais em cada momento histórico. Por isso a Arqueologia é uma Ciência Social e não uma actividade de conservação (por mais fundamental que conservar e preservar seja, até para que existam vestígios materiais do passado que possam ser potenciados socialmente como património activo).

Mas se ingenuamente pensarmos que a nossa actividade é descobrir e estudar o documento arqueológico, publicar para o nosso restrito circuito corporativo (que já de si lê pouco), restaurá-lo, vedá-lo e expô-lo passivamente (frequentemente sem pensar em custos de manutenção), o resultado será, mais tarde ou mais cedo, este:


















Situação actual da necrópole da Idade do Bronze do Pessegueiro (a da Idade do Ferro já quase nem se vê), Sines. Integrada num Parque Natural, salva-se a placa, agradável à vista e bem preservada.

O património é para servir, não para ser servido. É para ser usado socialmente; é para ser útil socialmente. Para isso precisamos de ultrapassar concepções passivas de património e dos profissionais do património. Dotar o património de serviço social é um trabalho dinâmico, nunca concluído e complexo, pois mexe com ideologia, política, identidade e outras dimensões estruturantes do humano. Mas esse património só será acarinhado se o soubermos constituir, repito até à exaustão, como algo socialmente valorizado e perspectivado como um factor activo nas dinâmicas sociais do nosso tempo.

Caso contrário, por mais redes e sinaléticas de design ecologista...

António Valera

4 comentários:

  1. O Património somos nós, homens e mulheres ao longo dos tempos, vistos pelos olhos de cada sucessiva geração. As gerações mais recentes enquadraram a "herança" recebida dos antepassados como algo de relevante para o seu presente e futuro. Hoje vivemos um tempo muito sobrecarregado de referências actuais, de novidades, de comunicação; um tempo muito imediatista em que o passado pode ser, para a maioria, enfadonho. Nunca progredimos tanto no conhecimento do passado como hoje; mas nunca como hoje, se torna difícil competir pela atenção dos cidadãos.

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  2. Ora, mas o mundo empresarial não vê na concorrência uma mais valia, promotora da criatividade e da melhoria dos serviços ? :))

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  3. Essa é uma das razões que me leva a acreditar que o modelo empresarial pode, em muitos casos, ser adequadado a intervenções no Património. Aliás, nos tempos que correm teremos cada vez menos Estado e cada vez mais sociedade civil, em que também estão as empresas.

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  4. "Dotar o património de serviço social é um trabalho dinâmico, nunca concluído e complexo, pois mexe com ideologia, política, identidade e outras dimensões estruturantes do humano". Pois é. Este é o fulcro da questão. Quantos de nós se questionam o suficiente para que essas questões sequer aflorem no trabalho (tantas vezes rotineiro, mecânico) que levamos a cabo todos os dias? Levantar o olhar do chão e abarcar o horizonte parece difícil.

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