sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

0018 - A estação arqueológica do lugar da Amoreira, São Martinho da Árvore (Coimbra)

Intervenção de diagnóstico. Crónica de um breve episódio (Era, Janeiro de 2012)



«Ó meninos, isto são casas dos moiros? É que nesta terra morava a família – já muito antiga – do engenheiro Moura. Diz-se que havia por cá ouro dos moiros a luzir neste campo do engenheiro Moura. É verdade?». Estava lançada a confusão (não só onomástica como também fonética) sobre aquela escavação arqueológica. À nossa azáfama quotidiana vinha juntar-se o trânsito ansioso de velhas senhoras, crianças ladinas e homens de provecta idade que nos indagavam continuamente, «Sempre são casas dos moiros? E a nossa casa do Centro de Dia para os velhos, já não se constrói?». Como desatar este nó cego de equívocos, mitos locais e as justas preocupações do imediato? Da mesma velha maneira de desatar todos os nós: com paciência, disponibilidade e perseverança, «Não Senhor Custódio, ninguém lhe vai tirar o Centro de Dia nem estas casas são do tempo dos mouros. Obrigado pela tangerina. Sente-se aqui ao meu lado que eu tento explicar-lhe, já que mo pede. É assim então: há já muitos anos, pelo menos desde o século XIX, que se fala de existir aqui um sítio arqueológico. E é bem verdade. Têm sido encontrados por estes campos muitos vestígios romanos. Acontece que agora a Câmara Municipal projectou construir aqui o Centro de Dia. Como funcionam as coisas? Muito bem: antes da obra é necessário fazer trabalhos arqueológicos que nos deixem conhecer a história deste local. Sim, são compatíveis. E note bem: uma terra sem memória é como uma pessoa sem recordações, já pensou nisso? ... Pois claro, o que encontrámos? Estes muros que vê à sua frente são os caboucos dos casões e dos currais de uma quinta do tempo dos romanos, provavelmente aquilo a que chamamos a pars rustica de uma villa. A cerâmica descoberta, por exemplo a terra sigillata – a baixela equivalente à nossa Vista Alegre - assim as como moedas e fíbulas – que são os alfinetes de prender as togas aqui no ombro – são de há cerca de 1500 anos, um tempo em que o Império Romano se estava a desagregar aqui nesta zona da Península Ibérica. E olhe bem estas vasilhas cinzentas: são iguais às que os oleiros daqui da zona faziam muito antes de chegarem os romanos. Sim, pode bem querer dizer que isto é terra de gente de fibra... Se vão ter um muro destes no jardim do Centro? É possível.»



Voltávamos à rotina das nossas tarefas. Enquanto colávamos o logótipo da Era num dos desenhos de campo, ouvíamos ao fundo do pomar a voz do Senhor Custódio, «Ó Perpétua, isto não é nada dos moiros, vem cá para te contar...».

1 comentário:

  1. Muito bom! Julgo que os arqueólogos têm obrigações em relação ao cidadão comum, nomeadamente das áreas em que trabalham. Isso também implica alguma humildade e forte capacidade de se distanciarem de uma linguagem eminentemente técnica. A capacidade de comunicação começa no terreno, junto de clientes, técnicos envolvidos (nomeadamente da área da construção civil) e população local. O trabalho da ERA e dos nossos técnicos tem que ser compreendido e valorizado por todos. Mal dos arqueólogos que trabalham virados para o seu umbigo.

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