domingo, 22 de janeiro de 2012

0013 - Holocénico revisitado (1)

Durante um ano (2/2004 – 3/2005) tive um blog intitulado Holocénico e que versava sobre Arqueologia, o seu ensino universitário, desempenho profissional, património e produção de conhecimento disciplinar.

O Blog terminou e foi mais tarde publicado em livro pela Era Arqueologia. Hoje está também disponível online na secção de publicações da ERA Arqueologia.

Face à evolução da prática arqueológica desde então e a uma crónica falta de memória (ou leitura) de muita gente e da correspondente permanente redescoberta da América, pensei que poderia ser interessante iniciar uma série de “posts” que lembrassem o que então foi dito e o analisassem em função das situações mais actuais, numa espécie de recapitulação e auto crítica.

Começarei com o Ensino Universitário e o processo de Bolonha.
Disse então:

“Arqueologia e Bolonha 1 (18.01.05)

No documento de recomendações à aplicação de Bolonha nas Ciências Humanas a discussão em torno dos ciclos e das competências aponta para o seguinte modelo: o 1º ciclo de três anos não profissionalizante (o que significa que quem o fizer não poderá ser responsável por qualquer trabalho arqueológico); um 2º ciclo profissionalizante; a possibilidade de, para quem não optar pelo 2º ciclo, poder existir um ano complementar “com vista ao exercício de profissões concretas”.
Por outras palavras, se o modelo adoptado fosse este, para se poder exercer a profissão com responsabilidades de direcção de trabalhos arqueológicos, teria pelo menos que se ter 3+1. Na prática continuaria o modelo de quatro anos. É uma forma de mudar para que tudo fique na mesma.
Mas basta dar uma vista de olhos pelos perfis e pelas competências que o documento define para os alunos saídos do 1º ciclo para perguntar se não estariam habilitados para fazer prospecções, acompanhamentos, estudos de impacte ambiental, por exemplo.
No perfil do graduado de 1º ciclo diz-se: “Informação abrangente sobre vários tipos de património, incluindo a capacidade de situar e compreender cada exemplar ou conjunto de exemplares nos variados contextos de produção (geográfico, ambiental, técnico, cultural, económico, social e institucional); capacidade de realizar trabalhos de dinamização cultural, levantamento e estudo do património.” E nas competências: “capacidade de inventariação, classificação e conservação do Património” ou “Conhecimento das técnicas de identificação, registo e recuperação da informação arqueológica (prospecção e escavação)”.
Ora acontece que a proposta propõe (passe a redundância) que quem tem estes perfis e competências (entre outras)não pode realizar dirigir acompanhamentos ou levantamentos patrimoniais, o que me parece fazer pouco sentido.
Mesmo admitindo que determinados tipos de trabalhos arqueológicos (como direcções de escavação) obriguem a uma formação mais avançada, o melhor seria começar a pensar em estabelecer habilitações diferenciadas para trabalhos diferenciados.”

Passados sete anos o “lobby” universitário impôs-se e, ainda que a legalidade seja duvidosa, o segundo ciclo é exigido para a direcção de trabalhos arqueológicos e os pedidos de licenciados pré Bolonha sucedem-se.

Se não me surpreende que uma universidade sem dinheiro procure os meios de obrigar os seus alunos a pagarem mestrados para obterem graus profissionalizantes (mesmo que a lei não diga exactamente isso), já fico pasmado com o silêncio dos visados (os licenciados) e de uma instituição moribunda intitulada Associação Profissional de Arqueólogos, a qual, um dia, ambicionou transformar-se em Ordem Profissional.

António Carlos Valera

2 comentários:

  1. Concordo plenamente com o que diz... já tenho questionado vários entidades para me responderem o que estou ou não habilitada a fazer em arqueologia (possuo licenciatura em arqueologia e mestrado em História e Património pós-bolonha)ninguém me sabe dizer ao certo. Não consigo compreender porque é que quando há pedidos de arqueólogos pedem licenciatura pré-bolonha, se na maior parte dos casos a licenciatura pré-bolonha tem apenas a mais um seminário de projecto que pode muito bem ser feito sem haver necessidade de nenhuma prática arqueológica, (o mesmo pode acontecer no mestrado de arqueologia) é por isso que não entendo a oposição feroz aos licenciados de bolonha, se a anterior licenciatura pouco acrescentava ao que agora está em vigor...mas são só opiniões de quem procura esclarecimento...

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  2. A ERA procurou soluções alternativas, no âmbito de propostas apresentadas para a inevitável e sempre adiada revisão do Regulamento de Trabalhos Arqueológicos. É lamentável a inércia dos profissionais de Arqueologia sobre este assunto, independentemente do seu enquadramento institucional. Continuo a acredito que a auto-regulação deveria ser a base da nossa profissão e estes seriam assuntos para amplas mobilizações, discussões e tomadas de posições públicas por parte da APA. Este é um assunto que tem que interessar empresários, professores universitários, investigadores ou arqueólogos da administração central ou autárquica. Mas, mais do que estes, devem ser os profissionais dependentes ou independentes que necessitam de autorizações legais para exercer a sua profissão no quotidiano que deveriam estar empenhados neste e em muitos outros problemas. Não vou desistir da auto-regulação, que a APA poderia e deveria colocar na primeira linha da sua acção. Quanto à Ordem, sempre me pareceu demasiado complexa e limitadora para motivar a acção.

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